A alienação fiduciária é um dos institutos de garantia mais importantes do Brasil atualmente. É tema indispensável do Direito Privado Brasileiro e interessa não só a advogados e outras carreiras jurídicas, mas também a empresários, investidores, ao mercado imobiliário e aos cidadãos em geral em seus negócios.
A expressão alienação fiduciária é composta de duas palavras de raiz latina, alienare, que significa “tornar alheio, tornar do outro”[1], e fiducia, que significa confiança, fidelidade, fidúcia[2]. Assim sendo, alienação fiduciária significa “transferir algo com base na confiança”.
No Direito contemporâneo, é possível conceituar alienação fiduciária como a transmissão da propriedade resolúvel e temporária de um bem do devedor fiduciante para o credor fiduciário com a finalidade de garantir uma dívida, reservando-se o devedor na posse direta do bem e remanescendo como depositário da coisa enquanto o contrato é cumprido. A propriedade se diz “resolúvel” porque ela se “resolve” se o devedor fiduciante quitar a avença. Em outras palavras, se o devedor fiduciante cumprir o contrato, a propriedade daquele bem retorna para ele. Por isso a alienação fiduciária é “em garantia”: caso o contrato não seja cumprido, o credor fiduciário poderá utilizar esse bem que já é de sua propriedade para quitar o contrato em seu favor.
A alienação fiduciária gera a propriedade fiduciária, que é um direito real de garantia sobre coisa própria[3]. São duas expressões próximas, mas que não se confundem. Uma é causa, a outra é efeito. E cada uma é regulada em dispositivos normativos diferentes.
Por sinal, o fato de a alienação gerar direito real de garantia sobre coisa própria é o principal traço distintivo que diferencia esse instituto de outros direitos de garantia, como a hipoteca, o penhor, a anticrese etc. Esses são direitos reais sobre coisa alheia. A alienação fiduciária é direito real de garantia sobre coisa própria. Por isso ela é tão mais poderosa que outras modalidades. Uma consequência gerada por essa faceta, por exemplo, é o crédito do credor fiduciário ser considerado extraconcursal em falências, recuperações judiciais e insolvências. Ele é pago com preferência até mesmo sobre os créditos mais privilegiados do sistema, como o trabalhista e o fiscal (cfr. arts. 83 e 84, da LFR – a Lei n. 11.101/2005).
E, por falar em dispositivos normativos, é importante tê-los mapeados. Como este artigo não tem a pretensão de exaurir o tema, mas apenas apresentá-lo, que sirva também para indicar onde estão os dispositivos a serem consultados por aqueles que desejam utilizar esse instituto. A propriedade fiduciária é tratada entre os artigos 1361 a 1368-B, do Código Civil de 2002. A alienação fiduciária em garantia de bens imóveis é tema de legislação específica, a Lei n. 9.514/1997. A alienação fiduciária em garantia no âmbito do mercado de capital está regulamentada no artigo 66-B da Lei n. 4.728/65. E o Decreto-Lei 911, de 1969 regulamenta os aspectos procedimentais da alienação fiduciária de bens móveis, especialmente no que se refere à execução extrajudicial.
Como existem regras específicas para certos tipos de alienação fiduciária em garantia, a doutrina moderna[4] classifica as alienações da seguinte forma:
- Alienação fiduciária de bem móvel
- Alienação fiduciária de bem imóvel
- Dentro do sistema financeiro imobiliário
- Fora do sistema financeiro imobiliário
A título de conclusão desta breve exposição, pode-se reiterar que conhecer o instituto da alienação fiduciária em garantia é fundamental não apenas para os advogados e outros profissionais das carreiras jurídicas, mas também para os empresários, investidores, comerciantes e cidadãos em geral. Por suas características únicas, esse instituto tem tornado letra morta todas as outras garantias, como a hipoteca e o penhor, cada vez menos utilizadas, e se tornado o principal instrumento de garantia atualmente no Brasil.
[1] Verbete escrito como contribuição à cartilha voltada para a atuação prática lançada pela Comissão de Direito Civil da OAB/SP em 2023.
[1] Sócio fundador do escritório de advocacia Rommel Andriotti Advogados Associados. Sócio fundador da Start-up Inquest Serviços de Informação. Professor de Direito Civil e Processo Civil na Universidade Presbiteriana Mackenzie e na Escola Paulista de Direito (EPD). Mestre em Direito pela PUC/SP; mestre em Direito pela FADISP; especialista em direito civil e direito processual civil pela Escola Paulista de Direito – EPD; graduado em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).
[1] CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro/RJ (Brasil): Lexikon, 2012, p. 26. Versão Eletrônica (Kindle).
[1] CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro/RJ (Brasil): Lexikon, 2012, p. 291. Versão Eletrônica (Kindle).
[1] GRAMSTRUP, Erik Frederico. Alienação fiduciária em garantia. Verbete. In: Enciclopédia Jurídica da PUCSP: Tomo Direito Civil. 1. ed. São Paulo/SP (Brasil): Portal da PUCSP, dez. 2021. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/471/edicao-1/alienacao-fiduciaria-em-garantia – Acesso em 05 out. 2023.
[1] Ibidem.